sexta-feira, 29 de abril de 2011

Como algo pode ser mais real que a realidade? Perguntei-me isso enquanto desciam lágrimas vertiginosas pela minha face. No início fiquei meio desconcertada, me senti te invadindo, depois, perdi o controle, precisava saber mais, ver mais, viver mais. Eu sei, o sonho não era meu. Mas como controlar algo que me invadiu sem pedir licença? Quando percebi já estava sonhando com você.  Algo sem controle, mas repleto de sentidos, uma realidade avessa, triste, mas uma realidade viva e, acima de tudo, intensa. Corpos que se tocam sem se ver, cicatrizes, lembranças... E um achado. Está tão difícil achar hoje em dia... Uma causa, uma promessa, uma força... Qualquer coisa no que se apoiar, qualquer coisa pela qual valha a pena viver, qualquer coisa pela qual valha a pena morrer. Eu achei.  Ela me sorriu, apertando seus olhinhos azuis. E foi a última vez que eu enxerguei seus belos olhos azuis. Eu achei.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Penteadeira, batom púrpura, luz flamejante e a incrível sensação de se ver.
Enxergar o passado, o presente e rememorar cada segundo de existência numa fração de tempo menor que o pensamento.
Passar o batom, o pó, colocar a ruga falsa e a falsidade do corpo e, a todo o momento, ter consciência plena de estar apenas representando.
Ela se via e se ouvia, antes mesmo do público notar a sua existência. Luz rubra, quarto escuro, pele envelhecida, mãos macias e enrugadas pelo tempo que, pouco a pouco foi deixando de passar.
Suor? Lágrimas? Desejo?
Apenas a força de um indivíduo que luta, luta e continua se vendo, correndo entre a infância e a juventude. Faces da mesma moeda?
Luz incandescente se acende, porta se abre e ela continua esperando a entrada do infinito, do vazio. Luz se apaga, novamente ela se olha no espelho e diagnostica sua doença sangrenta, inalcançável e repetidamente tediosa. Havia envelhecido. 
Levanta bruscamente, dança um tango com um parceiro imaginário, finaliza sua grandiosa performance, agradece ao público.
Ausenta-se.
O palco livre representa aquilo que ela sempre desejou ser: apenas uma luz no meio do caminho que leva a lugar nenhum.
Sombras entrecortadas de luxo e uma imensa tela de cinema que aos poucos vai se apagando.

sexta-feira, 15 de abril de 2011


Tudo estava escuro, era uma espécie de shopping abandonado, mas, para minha surpresa, ele não estava tão abandonado assim. Éramos cinco, um pequeno grupo com inúmeros defeitos e uma única vontade em comum: continuar vivos. Como fomos parar justamente ali, com tanto lugar no mundo para se esconder? Em meio à escuridão descobrimos sombras famintas por sangue, carne, ossos. Nada seria desperdiçado na boca daquelas feras. Um som quase surdo deu inicio ao ataque. Graças a um dos nossos, ficamos de sobreaviso e isso foi o que nos salvou, pelo menos a princípio. Mas o que era aquilo que atacava sem medo? Em breve eu descobriria. Uma das feras sedenta por comida veio ao meu encontro e nesse momento eu não tinha mais dúvidas de que o lanche era eu. Vi em seus olhos a vontade de saciar um desejo, o desejo primário que rege qualquer ser, humano ou não, a necessidade mais básica e primitiva: a fome. Mas por que justamente eu tinha que ser o lanchinho daquele bicho? Ele não poderia simplesmente se alimentar de maçãs? Entretanto, se eu não corresse o mais rápido que conseguisse, provavelmente não sairia dali com vida. Corremos como uma presa que luta incansavelmente pela vida e, por vários momentos, achamos que não iríamos conseguir. Por fim, chegamos a uma escada, que levava para liberdade, pensávamos nós. À medida que descíamos os degraus ouvíamos o som de uma garoa fina e um barulho que parecia uma multidão, algo que nós nem sequer sonhávamos o que poderia ser. Chegamos enfim à liberdade, deixamos a fera para trás, mas, ao sairmos do shopping, vimos uma verdadeira multidão vinda de encontro a ele. De início não entendemos bem o que aquilo significava até olharmos para os rostos transfigurados, as pessoas queimando. Aquela garoa fina que inicialmente achávamos que iria lavar as nossas almas era na verdade um tipo de chuva ácida e o único abrigo naquele momento era a toca das feras.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Hoje eu acordei com vontade de ser eu. De não dar bom dia pra ninguém, de não fazer piada. De ficar quieta no meu canto, assim meio de luto, com olho aguado. Sem ninguém perguntar "o que foi?", e eu ter que responder que não foi nada. Hoje eu queria ficar assim, aguada, num canto. E por que não chorar um pouquinho? Nós vivemos numa cultura de felicidade tão xiita, que qualquer manifestação de “tristeza” é quase um crime. 
Eu quero um amor felino e ferino. Um amor de verdade, sem cavalo branco, sem príncipe, sem nada ideal, só o acaso, um bom drink... Mas se amar é tão bom por que ter apenas um amor pra vida toda? Que sejam vários, que multipliquem e sobreponham. Se amor é doação eu quero me doar MUITO.  

sexta-feira, 1 de abril de 2011

O início



Diante da minha falta do que fazer junto à vontade de me comunicar, resolvi escrever o que antes eu tentava contar e ninguém tinha paciência de ouvir. Portanto, agora escrevo para quem quiser ler.