segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Memórias


Pensando na véia, botei Alcione, passei por Bethânia e Gonzaguinha, acabou surgindo do nada, deu aquele aperto no peito... Lembrei das nossas conversas, das nossas noites insones na frente da TV, com aquele cafuné displicente. 
Pensei em todas as coisas que eu gostaria de ter dito e, por displicência, acabei por não dizer; pensei que, por displicência, aquele cafuné sempre estaria ali, displicentemente. Aquela mão quase involuntária, mas que sempre soube chegar na hora exata, precisa, sempre um segundo antes do desespero, um segundo antes de tudo desmoronar. As unhas impecáveis, o cabelo arrumado e a eterna certeza de que: "Se há jeito para tudo nessa vida, exceto para morte". 
De ti ficou o bom gosto para tudo que há de bom, a vontade de viver, a certeza de que as coisas sempre podem piorar, portanto, é melhor fazer por onde. E a inegável necessidade de se lutar por aquilo que se quer de verdade, mesmo que você não saiba direito o que é isso. 
De ti ficaram as conversas francas, as birras, o cheiro de feijoada, a inesquecível moqueca de arraia, o som alto na vitrola, a cerveja gelada no domingo, a vontade de conhecer tudo que tiver ao meu alcance e esticar o braço um pouquinho mais para tentar abraçar o mundo e, se, por ventura, não conseguir, não tem problema, sempre se pode tentar de novo. 
Algumas noites insones serão sempre mais difíceis... Aquele displicente cafuné já não está mais lá, não há mais necessidade de se provar quem está certo. Todos nós estivemos redondamente enganados por todo o tempo. Não, não poderemos ser felizes juntos, não aqui, não agora, não nessa vida... 
Juntos jogamos contra! 
Esse Happy Ending do sonho americano está longe, muito longe de ser a nossa verdade. Não, na sua verdade você teve o seu Happy Ending, não o dos filmes, mas o real, o que fazia cada dia ser de alguma forma um pouco "menos pior". Que fez com que tudo à sua volta fosse tão inesquecível. Não, não estamos falando de perfeição. Estamos sem sombra de dúvida falando de coragem, da coragem de alguém que nunca teve medo de se expor, que nunca fingiu ser quem não era. Alguém que acabou por abandonar as máscaras, mesmo que isso significasse usar a mesma todos os dias. 
Estamos falando de alguém que sobretudo continuou. Continuou, contra tudo e contra todos. Alguém que não teve medo de encarar a vida de frente, olhar nos olhos do furacão e ir preparar o almoço, porque, acima de tudo, as pessoas precisam comer. 
Não, nem todas as lembranças são azuis e felizes, porque nem tudo é azul e feliz, mas uma imagem de tudo acaba por se fazer muito clara: a imagem de uma guerreira que fez a todo momento o que foi preciso ser feito. 
Agora, me perco entre os vinis, entre os inúmeros sons da minha memória. Consigo facilmente passear de Stravinsky a Roberto Carlos sem grandes percalços. Por fim, chegamos a mais um começo, só que, agora, sem displicências, sem falsas sensações de eternidade, de constante. Só nos resta o momento que acabou de passar. 


2 comentários:

  1. É incrível como vc consegue descrever tão bem esses momentos que fizeram parte de nossas vidas,quando algumas vezes me deparo na saudade,o sentimento é exatamente tudo que vc expressou,e só quem conheceu e conviveu sabe o quanto ela é importante e está presente em nossos corações.

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